terça-feira, 12 de maio de 2009

Tradição: Que sentido?

Hoje em dia muito se invoca a tradição “por dá cá aquela palha” ou como quem diz, para justificar tudo e mais alguma coisa. Se a tradição servisse de base argumentativa para tudo, então o Mundo não evoluía, permanecia estanque, e possivelmente ainda estaríamos a fazer pinturas rupestres. E porquê? Porque é tradição.

Se a tradição fosse respeitada a 100% muito do que hoje consideramos no mínimo imoral, para não dizer ilícito, era respeitado e tido como correcto. Dou exemplos: Vindicta privada; Casamentos combinados; praxes abusivas; lutas de galos; desrespeito em geral pelos direitos humanos. Em suma, tudo que há de ruim no Mundo podia ser justificado porque constituía uma tradição. Perfeito…

Claro que existem tradições que são de valor e outras que são praticamente inócuas. Contra essas nada a dizer.

Ora, outro exemplo de tradição e que nos dias de hoje se revela mais controvertido, é o da tourada. Em tempos se legislou no sentido de permitir os “touros de morte” em Barrancos, que tinha essa prática como tradição, o que constituía um costume contra legem até à aprovação da tal lei. O argumento mais uma vez foi “É tradição!”. Será que é legítimo ter esta linha de argumentação? Não abrimos um precedente? Será que existe um limite para a tradição? Ficam perguntas, esperam-se reflexões.

Nos Açores, está em causa outra situação. Tem também que ver com touradas, no caso a chamada “Sorte de Varas” que consiste no fundo, na situação de um toureiro que monta a cavalo, espetar uma vara no touro repetidas vezes. Ao que consta, o touro, nesta modalidade tauromáquica, é picado o dobro das vezes do que é com as bandarilhas. Isto é, causa o dobro dos danos. O sofrimento do animal não nos deve fazer pensar? Dentro desta linha de raciocínio, não devemos nós repensar também, a tourada lato sensu? Questões que a mim mesmo se suscitam reflexão, inclusive me pergunto se admitir as touradas e não admitir a “Sorte de Varas” é sequer lógico e coerente. Sem desrespeito para com quem assim pensar.

Neste caso, da “Sorte de Varas” nos Açores não está sequer em causa a tradição. Essa não existe nos Açores nem em Portugal. Qual é o argumento, desta feita, para se legislar no sentido de se permitir tal modalidade da tauromaquia?

Posto isto, corroboro o “Movimento - Não à Sorte de Varas nos Açores” propugnado por Tibério Dinis do blogue In Concreto. Não por ter uma ideia certa e insusceptível de alterações, acerca das touradas, mas porque, e entrando na linha de argumentação da tradição, esta alteração legislativa faz pouco sentido.

Por outro lado, pensemos um pouco sobre os alegados "direitos dos animais". O ser humano preocupa-se acima de tudo consigo (e bem) e só depois com os animais. Juridicamente estes são coisas, sem prejuízo de legislação que os proteja. No entanto, o ser humano preocupa-se (os que se preocupam) com os animais em sofrimento, mas só com os que são claramente visíveis. Explicando melhor. A generalidade das pessoas preocupa-se com o sofrimento do cão, do boi, do touro, do elefante. Já da formiga, da barata, do lagarto e do besouro poucos querem saber. Isto sucede por duas ordens de razões. Primeiro, há muitos insectos. Segundo, estes são repugnantes. A proximidade de uma pessoa com o animal ou mesmo a possibilidade de termos noção do sofrimento do mesmo é que permite esta preocupação. Este tema daria azo a muita discussão.
Fica o reparo.

2 comentários:

Tibério Dinis disse...

Obrigado pela colaboração.

Jorge Wahnon disse...

Caríssimo,
A meu ver faltou-te um terceiro argumento para justificar a preocupação com uns animais e não com outros. As pessoas geralmente sentem pena daquilo com que se possam de alguma forma identificar, o que leva a que a preocupação normalmente apenas surja quando se trata de animais "grandes". Isto agrava-se quando se trata de mamíferos. Se virmos bem, geralmente é aí que a maioria das pessoas demonstra alguma compaixão.
Um Abraço