sábado, 31 de outubro de 2009

Estado Zero ou Estado Intervencionista? No meio é que está a virtude.

O meu colega e amigo Bruno Antunes desafiou-me a escrever um texto relacionado com uma intervenção que fiz numa aula de Direitos Fundamentais, onde sustentei a minha concordância com o Tribunal Constitucional, aquando da pronuncia do TC pela não inconstitucionalidade da norma do Código Penal que incrimina o lenocínio.

Para quem não sabe, o crime de lenocínio traduz-se basicamente no facto de alguém profissionalmente ou com intenção lucrativa fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa da prática de prostituição.

O acórdão em causa, relacionava-se com um recurso interposto, em que a arguida sustentava, em traços gerais, que proibir o lenocínio violava a Constituição, nomeadamente porque era um factor impeditivo da livre escolha da profissão. Considerei eu, que este argumento é inadmissível, que não poderia ser considerado que a livre escolha da profissão tinha um âmbito que permitisse ainda considerar como licito escolher a profissão de ter ganhos económicos com a objectificação do corpo humano, indo esta prática contra toda a lógica Kantiana do Homem como fim em si mesmo e da não objectificação do ser Humano.

Uma colega advogou que talvez pudesse não ser assim, no sentido em que poderia esta ser uma esfera da autonomia pessoal, em que o Estado não deveria interferir. Eu considerei pelo contrário, que existem algumas situações, escassas é certo, em que a intervenção do estado é fundamental para a manutenção de certos valores e direitos fundamentais. Questionei a colega, e foi este o facto que despertou a atenção do meu amigo Bruno Antunes, fazendo com que este me solicitasse este texto, convite que aceito com gosto, que nesta perspectiva do Estado nunca intervir (Estado totalmente liberal) a ideia de salário mínimo também não faria qualquer sentido, já que o Estado não se teria que preocupar com o Direito fundamental de um mínimo de existência condigna, aliás, decorrente igualmente do principio da dignidade da pessoa humana.

Se o Estado fosse minimamente intervencionista, se tivéssemos um estado liberal puro e duro, existiam um conjunto de valores e direitos fundamentais que ficariam desprotegidos. O exemplo, claríssimo, dos Direitos Económicos, Sócias e Culturais, essencialmente direitos a prestações por parte do Estado, que subordinados à reserva do possível, se reconduzem ao Estado assegurar, por exemplo, um Direito à Saúde ou a um Direito à Educação.

Regressando, e terminando este pequeno texto, à problemática do salário mínimo, dizer que o estabelecimento de um salário mínimo, em termos de Economia, se reconduz à fixação de um preço máximo abaixo do preço de equilíbrio, factor que efectivamente poderá ter efeitos adversos, como seja, desde logo, a não contratação de pessoas que estariam dispostas a trabalhar por 300, mas que não podem ser contratadas por um valor abaixo de 500, por exemplo. Ainda assim, considero que em nome desse direito fundamental da dignidade da pessoa humana, com inúmeras decorrências na nossa Lei fundamental, deve ser assegurado um salário mínimo, por um imperativo de Justiça. Mas considero, que neste particular, poderia existir lugar à discussão. Já não, na criminalização do lenocínio, diferentemente, note-se, da questão da criminalização da prostituição, que em Portugal não sucede.

Agradeço ao Bruno a oportunidade.

Um texto de Tiago Mendonça, estudante do 4º ano da Faculdade de Direito de Lisboa, Presidente da JSD Moscavide, blogger do Laranja Choque.

Textos de convidados.

O Um Blogue do Caraças vai ser palco de uma iniciativa que pretende promover e melhorar o debate que é característica deste espaço. Desse modo, convidamos a escrever aqui várias pessoas que demonstrarão alguns pontos vista. Esta é uma iniciativa que já teve lugar aquando do 25 de Abril mas nesse caso o convidado estava adstrito a um tema. Desta feita, o sistema é diferente. Pode dar-se o caso de o convidado estar adstrito a um tema pré-definido por alguma razão, mas também pode dar-se o caso de ser o próprio convidado a sugerir um tema, tendo liberdade de conteúdo. Sairá um texto por semana, em princípio aos sábados. Dentro de pouco tempo sairá o primeiro. Não percam por isso este blogue que continua na senda de uma blogosfera melhor.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Mundial de 2018.

Portugal e Espanha apresentaram a sua candidatura à realização do Mundial de 2018, como se refere aqui. Em princípio parece uma boa iniciativa. Provavelmente preferiria que Portugal o realizasse sozinho. O prestígio decorrente daquela prova seria todo para o nosso país. Aliás, esta candidatura parece estar a ter muito menos adesão que a do Euro 2004. Os motivos são vários. O facto de ter avançado sozinho em 2004, concorrendo inclusivamente com (contra) a Espanha, é um factor determinante. No entanto, também o facto de na altura Portugal estar a passar por uma fase de “vacas gordas” o é.

Apesar de em princípio ser globalmente favorável a esta candidatura, há pontos em que vários problemas são suscitados e para os quais esperava diferente resposta daquela que foi dada.

Desde logo causa-me algum espanto que Portugal só receba uma pequena parte dos jogos do Mundial e tenha que pagar 40% dos custos. Não me parece minimamente proporcional porque não creio que Portugal receba 40% dos jogos.

Outro ponto muitíssimo discutível é a questão do financiamento. De acordo com as palavras do presidente da FPF ainda não se sabe como se vão suportar estes 40% do orçamento da candidatura. Como é que Portugal avança para este projecto sem ter a certeza da origem dos fundos? Onde está o rigor?

Ainda outro ponto é o relativo aos Estádios. Pelos vistos Portugal vai só apresentar 3 estádios. Luz, Alvalade e Dragão. Portugal fez 10 Estádios para o Euro 2004 dos quais 5 se encontram a maior parte do tempo “às moscas”. Se em vez de se ter gasto o dinheiro em tantos estádios, se tivessem melhorado aqueles que previsivelmente terão maior número de espectadores, o cenário seria bem diferente. Apesar de Portugal continuar a apresentar apenas 3 Estádios (nesse ponto nada mudaria) esses 3 Estádios seriam maiores. Pelo menos 1 deles mereceria maior capacidade. O Estádio da Luz. As estatísticas mostram que o Estádio tem tendência a encher quando o Benfica lá joga. Poderia então fazer sentido na altura em que se construiu o novo Estádio da Luz que se tivessem feito mais lugares. Seria uma medida controversa acredito, no entanto, creio que poderia ser mais satisfatória. Nesse caso o Estádio da Luz seria susceptível de albergar a final do Mundial, algo que ainda assim seria muito difícil devido ao peso político, económico e desportivo de Espanha.

Vamos ver se Portugal consegue juntamente com Espanha vencer a candidatura, mas será muito difícil. Vai defrontar-se com a candidatura conjunta de Holanda e Bélgica, e as individuais de Inglaterra e Rússia.

Esperemos.

Fica o reparo.

domingo, 18 de outubro de 2009

Eleições Autárquicas: Análise nacional.

Este é um texto que escrevi para a rúbrica semanal no Laranja Choque. Fiquem com a minha opinião relativamente à eieções autárquicas.

Estas eleições de 2009 foram realizadas 2 semanas depois das legislativas o que retira a carga de possível penalização ao Governo que muitas vezes lhe é atribuída pelos eleitores. Bem sei que análises nacionais de eleições autárquicas tornam-se muitas vezes num exercício enviesado, no entanto há que fazer uma análise mais abrangente sob pena de analisar concelho a concelho. Façamos então o comentário partido a partido. Começando pelo que mais Câmaras ganhou e seguindo por ordem decrescente.

PSD: Obteve um resultado razoável. Venceu em 136 Câmaras Municipais. No entanto importa afirmar dois pontos. Em primeiro lugar 19 dessas Câmaras foram ganhas em coligação com o CDS. Naqueles municípios onde o CDS não terá sido preponderante para a vitória (mas foi-o em alguns) foi-o para a maioria absoluta. Em 19 Câmaras desta coligação 17 tiveram maioria absoluta. Em segundo lugar importa dizer que o PSD perdeu várias Câmaras, tendo o PS recuperado ou conquistado pela primeira vez 20. Quanto a Lisboa, o PSD coligado perdeu numa grande aposta que havia feito. Santana Lopes fez uma boa campanha mas não foi suficiente para levar de vencido António Costa. Importa dizer que a direita coligada (conforme António Costa disse) perdeu para o PS (ainda que este contasse com Helena Roseta e Sá Fernandes). No Porto Rui Rio esmagou a concorrência. Elisa Ferreira que levava consigo o fardo da “gamela” do PE foi penalizada, apesar de essa não ser a única razão para a derrota avassaladora. O PSD conseguiu assegurar a Câmara de Faro por 0,4%. Macário Correia vence assim um segundo município no Algarve. Boa nota para as vitórias em Felgueiras e Marco de Canaveses. Em suma como escrevi acima, o resultado foi razoável. Não foi mau porque foi o que mais Câmaras venceu mas terá que se ter em conta que o PS subiu (e de que maneira!) e que daqui a 4 anos os muitos “dinossauros” autárquicos não vão poder candidatar-se outra vez. Nota para o facto de muitos desses “dinossauros” serem do PSD. Posto isto, mesmo em eleições tradicionalmente ganhas pelo PSD este partido não obteve uma vitória categórica, vejamos de que modo este facto pode e se vai influenciar ou acelerar o processo de reestruturação do PSD.

PS: Teve um resultado também razoável. Podemos considerá-lo bom se tivermos em conta que foi o vencedor em números de votos nacionais, número de mandatos e que obteve um crescimento de 20 Câmaras de 2005 para agora. A maior vitória foi a de Lisboa em que António Costa conquistou a maioria absoluta por 5,3%, apesar de ter perdido a Assembleia Municipal. Para além de Lisboa foram também importantes as vitórias em Beja (antigo bastião comunista) e Leiria (há anos do PSD). Dir-se-ia que a perda de Faro foi a mais significativa apesar de ter sido por escassa margem. Convém ainda dar nota de candidaturas que pareciam desde cedo condenadas ao fracasso, não por incompetência dos candidatos mas porque de alguma forma ou de outra notava-se que tinham pouquíssimas hipóteses de serem eleitos. Casos do que vos escrevo são Ana Gomes em Sintra e Elisa Ferreira no Porto. Importa fazer uma nota. O PS perdeu grande parte das suas importantes Câmaras em 2001 e ainda hoje se vê a relutância das pessoas em votar no PS. Vejam-se os casos do Porto, Cascais, Sintra e Coimbra. Para isto poderá ter contribuído a vontade de grande parte dos portugueses querer mostrar o cartão (que se tornou vermelho) ao Governo de Guterres, mas também o trabalho dos autarcas socialistas desenvolvido até então. O PS tem razões para sorrir um bocado mas terá que ter em conta o futuro de Municípios como aqueles que referi supra.

CDU: Francamente derrotado, a CDU perdeu em quase tudo, inclusive Beja para o PS. Só elegeu um mandato no Porto. Deixou fugir a hipótese de ser o fiel da balança em Lisboa elegendo apenas 1 mandato e ficando Santana Lopes com 7. O eleitorado da CDU é pouco móvel mas ainda assim parece que nas autarquias essa parca mobilidade esfumou-se um pouco.

CDS: Resultado normal do CDS. 1 Câmara vencida. Foi importante nas vitórias e maiorias absolutas em coligação com o PSD.

BE: Péssimo resultado. Perde um mandato em Lisboa e não consegue eleger nenhum no Porto. Só consegue a Câmara de Salvaterra de Magos. Siga a dança.

Vejamos como se portarão os novos (e não só) autarcas e como serão desempenhadas as funções do Governo da República agora que começa um novo ciclo eleitoral.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Um momento ridículo.

Circula por estes dias um vídeo (que não vou sequer colocar aqui) em que Maitê Proença faz piadas de índole um tanto ou quanto xenófoba acerca dos portugueses. Não achei piada nenhuma e a primeira reacção que um português pode ter é responder na mesma moeda, até porque há muitos brasileiros em Portugal e no seu país também há muitos problemas susceptíveis de serem objecto de piadas. No entanto há que resisitir a esse tipo de resposta, isso seria cair no mesmo erro da actriz brasielira. O que tem paida sim é que a mesma actriz andou por este país à beira mar plantado a publicitar um livro seu e agora parece querer vir pedir desculpa. Palavras como estas "E não falei mal de Portugal, amo Portugal, os portugueses, tenho amigos e visito o país sempre que dá. Meus livros são publicados na terrinha e vendem muito bem." só servem para piorar as coisas. Pelos vistos somos uns tipos porreiros porque por cá se compram os livros da dita moça. Apesar de tudo, como Luís Filipe Menezes disse ontem na SIC Notícias "Quem é Maitê Proença?". Que notoriedade e importância tem aquela acrtiz para darmos tanta importância ao que disse? Pouca ou nenhuma.

Fica o reparo.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Parabéns ao Blogue: 2 anos.

Cabe fazer a devida homenagem a este blogue que cumpre hoje o seu segundo aniversário. è um blogue que teve os seus altos e baixos. Este muito bem em Abril, Maio, Junho e Julho, perdeu o gás nas férias mas agora parece estar a reencontrar o bom caminho. Esperos então que este blogue continue na senda de uma blogosfera melhor. Parabéns ao Um Blogue do Caraças.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Eleições Autárquicas: Cascais.

Cascais é o meu concelho e é um dos melhores concelhos para se viver em Portugal sem sombras de dúvida. Apesar disso, a qualidade de vida das pessoas não se mantém intacta ao longo dos tempos, é necessária uma intervenção adequada por parte da Câmara Municipal para essa qualidade de vida melhore.

Nestas eleições autárquicas em Cascais confrontaram-se como adversários principais na corrida à Câmara António Capucho (da coligação PSD/CDS e Presidente da Câmara) e Leonor Coutinho (do PS), contando este escrutínio com candidatos da CDU, do BE, DO PPM, do PCTP/MRPP e do PNR.

Os resultados mostram uma vitória esmagadora do PSD/CDS em Cascais com 53.04% dos votos elegendo 7 mandatos. Já o PS obteve apenas 26.66%, isto é, perto de metade, conseguindo 3 mandatos. A CDU conseguiu 9.19% e assegurou o restante mandato.

Há por isso que procurar razões para tal resultado, completamente arrasador.

Em primeiro lugar, António Capucho mostrou algum trabalho. O paredão é hoje um óptimo local para os cascalenses (e turistas) passearem e desfrutarem o seu tempo livre. A área recuperada é enorme. Os espaços verdes são hoje abundantes no concelho de Cascais. Há infrastruturas que suportam a população de modo satisfatório. A Câmara parece assim ter feito um razoável trabalho nestes anos de governação, apesar de não haver só pontos positivos.

Em segundo lugar, a candidata do PS (sem desprimor para a sua competência) não era um nome suficientemente forte, nem tinha reputação suficiente para disputar uma Câmara com um Presidente que já lá está há 8 anos.

Em terceiro lugar, existe em Cascais o já crónico efeito Judas. Passo a explicar. Judas foi Presidente da Câmara de Cascais enquanto candidato do PS durante 8 anos, de 1993 a 2001. Nesse período a governação deste autarca foi bastante criticada, sendo que em 2001 o candidato do PS perdeu para o do PSD por larga margem, isto apesar do candidato do PS ter nome e competência. Um facto é que pela terceira vez consecutiva o PS não consegue chegar aos 30% em Cascais, e pela terceira vez consecutiva Capucho chega à maioria absoluta.

Estes parecem ser os motivos para tais diferenças junto do eleitorado. Posto isto, ou o PS consegue inverter esta onda de derrotas em Cascais, ou este permanecerá durante muito mais tempo arredado da Presidência da Câmara e delegará essa função no PSD que colhe bastante eleitorado de Cascais na medida em que é um município em que as pessoas vivem maioritariamente bem ou muito bem, em que as preocupações sociais são menores e em que a esquerda perderá necessariamente para a direita.

Cabe agora fazer umas quantas notas.

1. Em todo o concelho de Cascais só São Domingos de Rana votou maioritariamente no PS (fá-lo desde 1993) para a Assembleia de Freguesia apesar de não ter abdicado de dar um voto de confiança no PSD/CDS na Câmara.

2. A diferença entre o PS e o PSD/CDS para a Assembleia Municipal (20,76%) é menor do que para a Câmara (26,38%) o que poderá levar o PS a repensar tudo isto. A candidata do PS à Câmara tem menos votos que João Proença (que creio não ter filiação socialista), candidato à Assembleia. O motivo para isto também pode residir na tentativa de parte do eleitorado no sentido de conseguir algum contraponto, alguma fiscalização.

3. O PSD/CDS consegue maioria absoluta na Câmara e na Assembleia. Demolidor.

4. Bom sinal para o parco número de votantes no PNR. Apenas 285.

5. Má nota para a abstenção. 55,94% é demasiado.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Prémio Nobel da Paz

Parece que o Presidente dos Estados Unidos da América recebeu o Prémio Nobel da Paz, resta é saber por o quê...
Não me interpretem mal, fico bastante feliz por o senhor ter sido galardoado com um prémio de tamanha distinção. Ficam desde logo a minha congratulação e os meus votos de felicidade!
Posto isto, há que reflectir.
Ao longo dos tempos a fundação do Sr.Nobel tornou-se uma instituição respeitada e louvada por esse mundo fora. Aparentemente isenta, tem celebrado o mérito daqueles que dentro de uma ou outra categoria contribuíram para o mundo, para o seu progresso e para a sua humanidade, dando-lhes um prémio.
No entanto, o mais recente Nobel não deixa de surpreender. Será que ele foi atribuído pela promessa de retirada do Iraque? Porque prometeu enviar mais tropas para o Afeganistão? Porque é o primeiro presidente norte-americano negro (o que é um feito, mas agora digno de Nobel?)? Ou simplesmente porque é um tipo moreno e simpático que inspira muita gente?...Fica a dúvida.
A mim é que ninguém me convence que é por ele ter revolucionado as relações internacionais. Até esta vi mais promessas do que feitos e pouca alteração da política externa da superpotência. Aliás nem tal era esperado, porque todos sabemos que não se muda assim, de presidente para presidente, a política externa de um Estado e muito menos a de uma potência.

Pessoalmente, apenas pude chegar a uma conclusão: o mundo está tão mal que já que não há candidatos (dignos) a Nobel da Paz e - "mal por mal" - já agora vai para ali.

Foto tirada daqui.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Aniversário da República em Portugal.

Nunca, desde que me recordo, se falou tanto em Monarquia num aniversário da República. Devem ser saudosismos repentistas, e daí…nunca se sabe…Na realidade falou-se bastante em Monarquia, o que não é mau, não necessariamente. Fomenta-se o debate, contrapõem-se os dois modelos, cada um retira a sua própria conclusão. No entanto, acho alguma graça esta nova onda de monárquicos que gosta de passar algum do seu tempo a colocar bandeiras monárquicas em edifícios públicos. Acho piada de facto, e devo dizer que lhes correu bem a atitude. Ganharam projecção, e agora até já aparecem na televisão, lançando ideias como a criação de um referendo perguntando às pessoas o que preferem, a República ou a Monarquia. Eu devo dizer que apesar de todos os argumentos favoráveis a uma Monarquia que residem essencialmente na estabilidade que um monarca pode dar e que alegadamente um Presidente não, eu tenho posição contrária. Só a simples possibilidade de um Chefe de Estado sê-lo “porque sim”, isto é, de o ser sem qualquer legitimidade a não ser, ser filho de alguém, faz com que a ideia de uma monarquia caia por terra como cenário aceitável. Um Presidente pode ser ou não competente mas caso o povo o queira retirar do cargo, tem mecanismos para o fazer, as eleições de 5 em 5 anos. Com um Monarca já não será esse o caso. Vai para lá “porque sim” e fica lá “até quando quiser”. Esta é a principal razão para se rejeitar tal ideia. No meu entender, que continue a República rumo aos 100, e que faça muitos.


1.

"Nasci em um tempo em que a maioria dos jovens haviam perdido a crença em Deus, pela mesma razão que os seus maiores a haviam tido — sem saber porquê. E então, porque o espírito humano tende naturalmente para criticar porque sente, e não porque pensa, a maioria desses jovens escolheu a Humanidade para sucedâneo de Deus. Pertenço, porém, àquela espécie de homens que estão sempre na margem daquilo a que pertencem, nem vêem só a multidão de que são, senão também os grandes espaços que há ao lado. Por isso nem abandonei Deus tão amplamente como eles, nem aceitei nunca a Humanidade. Considerei que Deus, sendo improvável, poderia ser; podendo pois dever ser adorado; mas que a Humanidade, sendo uma mera ideia biológica, e não significando mais que a espécie animal humana, não era mais digna de adoração do que qualquer outra espécie animal. Este culto da Humanidade, com seus ritos de Liberdade e Igualdade, pareceu-me sempre uma revivescência dos cultos antigos, em que animais eram como deuses, ou os deuses tinham cabeças de animais.

Assim, não sabendo crer em Deus, e não podendo crer numa soma de animais, fiquei, como outros da orla das gentes, naquela distância de tudo a que comummente se chama a Decadência. A Decadência é a perda total da inconsciência; porque a inconsciência é o fundamento da vida. O coração, se pudesse pensar, pararia.

A quem, como eu, assim, vivendo não sabe ter vida, que resta senão, como a meus poucos pares, a renúncia por modo e a contemplação por destino? Não sabendo o que é a vida religiosa, nem podendo sabê-lo, porque se não tem fé com a razão; não podendo ter fé na abstracção do homem, nem sabendo mesmo que fazer dela perante nós, fica-nos, como motivo de ter alma, a contemplação estética da vida. E, assim, alheios à solenidade de todos os mundos, indiferentes ao divino e desprezadores do humano, entregamo-nos futilmente à sensação sem propósito, cultivada num epicurismo subtilizado, como convém aos nossos nervos cerebrais.

Retendo, da ciência, somente aquele seu preceito central, de que tudo é sujeito a leis fatais, contra as quais se não reage independentemente, porque reagir é elas terem feito que reagíssemos; e verificando como esse preceito se ajusta ao outro, mais antigo, da divina fatalidade das coisas, abdicamos do esforço como os débeis do entretimento dos atletas, e curvamo-nos sobre o livro das sensações com um grande escrúpulo de erudição sentida.

Não tomando nada a sério, nem considerando que nos fosse dada, por certa, outra realidade que não as nossas sensações, nelas nos abrigamos, e a elas exploramos como a grandes países desconhecidos. E, se nos empregamos assiduamente, não só na contemplação estética, mas também na expressão dos seus modos e resultados, é que a prosa ou o verso que escrevemos, destituídos de vontade de querer convencer o alheio entendimento ou mover a alheia vontade, é apenas como o falar alto de quem lê, feito para dar plena objectividade ao prazer subjectivo da leitura.

Sabemos bem que toda a obra tem que ser imperfeita, e que a menos segura das nossas contemplações estéticas será a de aquilo que escrevemos. Mas imperfeito é tudo, nem há poente tão belo que o não pudesse ser mais, ou brisa leve que nos dê sono que não pudesse dar-nos um sono mais calmo ainda. E assim, contempladores iguais das montanhas e das estátuas, gozando os dias como os livros, sonhando tudo, sobretudo, para o converter na nossa íntima substância, faremos também descrições e análises, que, uma vez feitas, passarão a ser coisas alheias, que podemos gozar como se viessem na tarde.

Não é este o conceito dos pessimistas, como aquele de Vigny, para quem a vida é uma cadeia, onde ele tecia palha para se distrair. Ser pessimista é tomar qualquer coisa como trágico, e essa atitude é um exagero e um incómodo. Não temos, é certo, um conceito de valia que apliquemos à obra que produzimos. Produzimo-la, é certo, para nos distrair, porém não como o preso que tece a palha, para se distrair do Destino, senão da menina que borda almofadas, para se distrair, sem mais nada.

Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei onde ela me levará, porque não sei nada. Poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com outros. Não sou, porém, nem impaciente nem comum. Deixo ao que são os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo ao que fazem os que conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam cómodas até mim. Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero.

Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência. Gozo a brisa que me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro. Se o que deixar escrito no livro dos viajantes puder, relido um dia, por outros, entretê-los também na passagem, será bem. Se não o lerem, nem se entretiverem, será bem também."

Fernando Pessoa, in Livro do Desassossego "composto por Bernardo Soares ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa"

sábado, 3 de outubro de 2009

O Candidato a Presidente pelo PS.

A confirmar-se esta notícia avançada pelo Público de que o candidato pelo PS em 2011 é Jaime Gama, já sei quem não vai ficar nada alegre.



Perdoem-me o trocadilho.