quarta-feira, 27 de maio de 2009

Coreia Nuclear

No 31 da Armada encontrei uma lúcida* e interessante análise daquilo que representará uma Coreia do Norte nuclear. Agradeço o Nuno Gouveia por não ter feito outra pseudo-análise populista, surreal e pouco interessante. Deixo aqui na integra o post.

"O teste de Obama


Ao mesmo tempo que Kim Jong Il está momentaneamente retirado da vida pública, devido a um ataque cardíaco, os norte-coreanos, como que a dar um sinal de vida, optaram por berrar tão alto quanto possível. As ambições nucleares da Coreia do Norte passam menos pelo desejo de obter a arma devastadora, e mais pela sobrevivência do regime, que um dia Bernardino Soares questionou se não seria uma democracia. Sem o ombro chinês, há muito que o “Querido Líder” tinha caído da cadeira. Mas o regime de terror, que enfrenta dificuldades internas há muitos anos, pretende fortalecer-se com este teste nuclear. “Queremos mais” poderia bem ser o slogan utilizado pelos dirigentes da Coreia do Norte ao lançarem-se nesta “aventura”. Obama, que não parecia estar muito interessado no problema coreano, terá agora que dedicar algum tempo a esta embrulhada. E claro, já deve ter percebido que a sua retórica de um mundo sem armas nucleares ficará suspensa durante algum tempo.

Obama herdou uma situação de esforços multilaterais relativamente à Coreia do Norte, mas a sua agenda de conversações directas com os inimigos dos Estados Unidos terá alertado o regime coreano. O objectivo dos coreanos poderá passar por negociações directas com os Estados Unidos, tentando obter mais concessões dos americanos, que de outra forma seriam mais difíceis de alcançar. A verdade é que a estratégia seguida até ao momento, com seis pratos na mesa, incluindo a China, não alcançou os objectivos definidos: manter a Península Coreana sem armas nucleares. E os Estados Unidos têm aqui uma oportunidade, se apostarem nas conversações directas: criar as condições necessárias para a reunificação das duas Coreias. Será uma jogada de longo prazo, que teria também por passar por uma mudança de regime na Coreia do Norte.

As sanções não têm resultado, pois a China, apesar da retórica, continua a sustentar o regime coreano. Se o multilateralismo, tão apregoado por muitos, fosse eficaz neste caso, e todos remassem para o mesmo lado, as sanções poderiam chegar para obrigar a Coreia do Norte a desistir das ambições nucleares. Mas responder a estes testes apenas com mais sanções será sempre inútil. É preciso fazer mais.

Robert Kagan e Dan Blumenthal recordam que o antigo secretário da Defesa William Perry e o actual sub-secretário da Defesa Ashton B. Carter defenderam em 2006 que os Estados Unidos poderiam lançar um ataque preventivo às instalações nucleares norte-coreanas. Mas essa hipótese não se coloca no momento, pelo que Obama deverá apostar na via negocial. Parece-me que contar com o apoio da China nesta questão tem sido demasiado ingénuo e até mesmo perigoso. A Administração Bush confiou nas intenções chinesas, mas a verdade é que Kagan e Blumenthal têm razão quando dizem que uma Coreia do Norte como ameaça ao poder americano na região interessa sobretudo à China. Além que uma Coreia unificada, próspera e aliada dos Estados Unidos seria tudo menos do interesse dos chineses. Por isso, o regime de Pequim tenderá a manter esta face de duas caras, por um lado condenando publicamente, por outro, apoiando e mantendo a viabilidade do regime coreano.

Barack Obama defendeu na campanha eleitoral que negociaria directamente com os inimigos dos Estados Unidos. Agora parece que a Coreia do Norte deseja prosseguir essa via: que se lhe faça a vontade. Não será com Kim Jong Il que a ditadura coreana irá cair, mas poderá ser com o seu sucessor, que as coisas poderão realmente começar a mudar. E estas diatribes nucleares do “Querido Líder” até poderão ajudar, se os Estados Unidos aproveitarem a oportunidade. Apenas deverão manter a exigência que uma Coreia do Norte com armas nucleares é intolerável, e se o país não aceitar esta exigência, terá que enfrentar as consequências. Sejam elas quais forem. Estou certo que a Administração Obama tudo fará para impedir que os seus aliados, como o Japão e Correia do Sul, fiquem livres da ameaça nuclear coreana."


por Nuno Gouveia às 08:00, Quarta-feira, 27 de Maio de 2009, 31 da Armada


*Exceptuando a última frase com um óbvio lapso.

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