Em primeiro lugar, quero aqui expressar o meu agradecimento pelo simpático convite para endereçar umas breves palavras aos leitores deste blog.
Já muito se escreveu por aí sobre o 25 de Abril. Já há alguns anos que não via um revivalismo tão grande em relação a esta efeméride. Talvez porque vivamos tempos perigosos em que alguns mais atentos vão sentindo que algo vai mal, que algo vai ameaçando aquelas que foram algumas das conquistas de Abril.
Por isso, vou evitar fazer uma interpretação exaustiva do que foi ou deixou de ser o 25 de Abril. Não quero aqui fazer uma análise dicotómica que oponha o antes e o depois do 25 de Abril. Sou apologista de que temos que saber lidar com o nosso passado da forma o mais distanciada e imparcial possível para poder projectar devidamente o futuro e é precisamente nisso que prefiro centrar-me.
Sendo assim, algo está mal nesta III República cuja legitimidade em muito se baseia na oposição ao Estado Novo. O Estado Novo foi fruto de uma época, consequência directa de 16 anos de caos da I República. Teve, como tudo na vida, coisas boas e coisas más. Há, aliás, uma clara divisão em pelo menos dois períodos, o antes de 1945 e o pós-1945, que correspondem, grosso modo, a um período mais bom que mau e a um período mais mau que bom, períodos sobre os quais a III República fez descer um obscurantismo com propósitos que não escapam aos mais atentos, tal como faz descer sobre o caos da I República características positivas que em nada lhe corresponderam. No seu todo, tanto a I República como o Estado Novo servem, acima de tudo, para nos lembrarmos do que é um regime caótico, sem rei nem roque, e do que é um regime com uma ordem excessiva e autoritária – ambos adversários da liberdade.
Porém, é necessário arquivar definitivamente estes capítulos da nossa História. Estamos presos ao passado, especialmente ao Estado Novo, e não admira o revivalismo que se vai vivendo por aí em torno da figura de Salazar. Estamos mentalmente estagnados e agarrados a um passado que é reivindicado por aqueles que se reclamam donos da revolução e da democracia, quando, na verdade, a democracia foi inventada para deixarmos de ter um dono. Urge requalificar a democracia em Portugal, e cumprir os ideais de Abril mas com responsabilidade, em liberdade mas respeitando as regras, e não com a liberdade que degenerou abusivamente em libertinagem e serviu para muitos fazerem apenas o que lhes apetece, escravizando assim a sociedade portuguesa – dois claros exemplos são o discurso em torno da luta contra o Estado Novo que muitos invocam como forma de legitimar os seus intentos, e a Constituição da República Portuguesa, de cariz social e socializante, que tem na sua base princípios de servidão total dos portugueses perante o Estado, veja-se o que Rui Albuquerque assinalou no Portugal Contemporâneo (25 de abril, sempre!
Enfim, como pode então o povo português chegar a uma nova república, à 4ª, mais precisamente? Apenas e só como chegou à 3ª: por via do golpe de estado e da revolução.
Porque como afirmou Fernando Pessoa, "a ânsia de liberdade é comum ao homem superior e ao mendigo que não quer trabalhar. Assim, as instituições liberais tanto podem significar a expressão da liberdade, como a expressão da incúria e do desleixo", temos o dever de arquivar os capítulos da nossa História e saber aperfeiçoar a democracia em torno dos ideais da liberdade e da responsabilidade. Temos de saber preparar-nos para o futuro, para o século XXI com uma realidade internacional em constante mudança e indefinição. Temos, no fundo, que definir um novo Conceito Estratégico Nacional, como ultimamente o Professor Adriano Moreira nos vai recordando.
Sem isto, a democracia e a liberdade estão claramente ameaçadas no nosso país, restando apenas saber se virá uma nova I República ou Estado Novo, repetindo-se os erros do passado de golpes de estado e revoluções sem nexo. Nenhuma das hipóteses é aprazível para quem ama a liberdade acima de tudo. Recordemos o que Abril nos deu, mas recordemos também que muito está por cumprir, e isso cabe-nos a nós, líderes do amanhã. Só precisamos de nos permitir deixarmos de ser tratados como escravos, porque invocando novamente Pessoa, "O Estado está acima do cidadão, mas o homem está acima do Estado". Acima de tudo, é ter fé nas palavras de Chico Buarque e acreditar que "esta terra ainda vai cumprir seu ideal / Ainda vai tornar-se um imenso Portugal".
Samuel de Paiva Pires, aluno do 4º ano de Relações Internacionais, blogger do Estado sentido.
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