quarta-feira, 19 de março de 2008

O acordo ortográfico

Vive-se em Portugal um clima de contestação ao acordo ortográfico recentemente (e finalmente) ratificado pelo governo português. Aproveito por isso a mais recente sondagem deste blogue para dissertar sobre a matéria. Esperançoso de lançar o debate entre colaboradores, não colaboradores, assíduos leitores do caraças e pessoas que cá venham parar por acaso e gostem.
Pois é, a questão parece causar algum atrito nas mentes de muitos portugueses (peço desculpas, mas por ignorância e falta de atenção, não sei como é vista esta questão no Brasil, Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe na Guiné-Bissau. Sei contudo que a iniciativa é bem recebida em Cabo Verde). Ora bem, dizia eu, este atrito é algo que eu, muito honestamente, não compreendo. Em Portugal, pessoas há, que falam como se de um "abrasileiramento" da sua língua se tratasse. Caso fosse, também não sei se veria grande mal nisso. Verdade seja dita Portugal, ainda é mais desenvolvido que o Brasil, mas não mais que isso. E duvido que os dez milhões em Portugal pudessem travar qualquer tendência do gigante do transatlântico. Mas não é, de todo, o caso. O acordo procura ser um meio termo entre o português falado no Brasil, Portugal e nos PALOP, muito ignorados nos debates na antiga metrópole.
Não se trata de uma perda de identidade cultural. Não se visa construir uma cultura transversal nos países signatários. Não!
Este acordo, não existe para grande beneficio dos brasileiros. Claro que, tal os outros, assinaram o acordo na esperança de dele tirarem benefícios a longo prazo. Contudo, e apesar do que ouvi por aí, os principais beneficiários deste acordo serão países como Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Portugal. Os países pequenos. Sim, eu disse Portugal. Porquê?
O Brasil tem 180 milhões de habitantes, Moçambique conta já quase o dobro da população portuguesa, Angola com 12 milhões já ultrapassou Portugal, e prevê-se que continue a crescer.
O que significa isto? Que Portugal tem toda a vantagem em se juntar aos demais e não em contrariar a tendência Deveria aliás ser o grande propulsor deste processo. Beneficiando do facto de ser o único que pertence à UE e, neste momento, o mais desenvolvido. Tendo a singular oportunidade, de construir pontes, entre os países da CPLP e a UE e entre a CPLP. Mas isto é outra discussão.
Parece-me portanto evidente, que é do interesse de todos os membros da CPLPL que todos falem e escrevam a mesma língua. Isto é pensado agora, mas a questão põe-se para o futuro. Porque as línguas evoluem. E sem um fio director, o português de cada país seguirá o seu próprio caminho, a la longue, cada um falará o seu português, deixarão de se entender. Assim, procura-se com este acordo, estabelecer um fio condutor para a evolução da língua em todos os seus espaços para que a vantagem competitiva se mantenha em relação a cidadãos "extra-lusófonos".
Para concluir, gostaria apenas de salientar que estas modificações, contemplam as especificidades de cada país. Tome-se como exemplo o seguinte excerto:

"Em termos gerais, adiantou, "as consoantes mudas ou não articuladas desaparecem". São os casos de "acção" ou "óptimo", mas, no caso de a consoante ser pronunciada, esta mantém-se, havendo dupla grafia, como em "recepção", que se manterá para os brasileiros (que pronunciam o "p") mas desaparecerá no caso português, pois não é pronunciado.
O caso inverso dá-se com "facto", que mantém o "c" para Portugal mas não para o Brasil. "


Fica assim aberto o espaço para debate. Será o acordo ortográfico realmente benéfico? Por favor contribuam com as vossas opiniões!
Obrigado



Nota:
Eu exclui Timor Lorosa'e porque ainda tenho dúvidas se o país sempre permanecerá de expressão portuguesa. E porque por estar na outra ponta do globo talvez seja aquele que menos tem a ganhar com este acordo.

9 comentários:

João Francisco disse...

Uma observação muito simples. Parece-me que o exemplo que o meu estimado colega apresentou é exemplo da incoerência de todo este processo de adaptação da lingua. Por um lado dizem que este novo acordo ortográfico serve para uniformizar a lingua e facilitar a comunicação em termos globais, mas depois abrem excepções parra diferentes pronunciações em determinados paises. Afinal uniformiza-se ou complica-se, enquanto se despe a lingua portuguesa de toda a sua beleza e singularidade?
Mais um bocado e acaba-se com os acentos nas palavras de forma a aproximar a lingua portuguesa da lingua inglesa.

Tarek Shalik disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Tarek Shalik disse...

Sinceramente tenho muitas duvidas da Qualidade/Preço deste assunto, ou seja, não acho que os custos compensem a mudança. Ao contrário do Exmo.Melekh Salem eu penso que esta mudança implica uma perda de identidade cultural ou mesmo de património, pois a tendência é para que se fale o ( até agora) inexistente brasileiro e esqueçamos o que afinal é a nossa lingua oficial, o português. Discordo completamente quando diz que o acordo é um meio termo, na minha opinião é um total "abrasileiramento" do português e sim existe beneficio para os brasileiros, é um passo de gigante para a "lingua brasileira" que ajudamos a criar com este acordo, sendo assim uma maneira do Brasil demonstrar o seu distanciamento do tempo colonial. E chego desta maneira ao centro da questão, o que pode Portugal ganhar com isto. Ora bem, uma evolução da lingua? (so sentido da simplicidade) talvez. Mas não me parece que diplomaticamente se ganhe alguma coisa, Portugal não vai establecer laços com ninguém devido ao desaparecimento das consoantes mudas, mal seria da nossa diplomacia se estivessemos dependentes de acordos ortográficos. Portanto quanto muito o Brasil fica a dever um favor.

Anónimo disse...

Não comentando o conteúdo do acordo ortográfico em si (por falta de tempo...e pachorra, confesso), devo dizer que "discordo completamente" da sua existência, embora fosse totalmente a favor de um acordo que uniformizasse as posições sexuais nos países de língua portuguesa, assim como um acordo onde se acordasse, finalmente, em acordar em utilizar Times New Roman, tamanho 12, em todos os futuros acordos.[/sarcasmo] Isto para dizer que a língua não é pertença de Estado algum e que a estes não cabe legislar ou acordar sobre ela. Se isto acabar por tornar a CPLP irrelevante, que assim seja.

Bruno Antunes disse...

Vamos lá pôr os pontos nos i's:

De um lado existe uma corrente de opinião que entende que o acordo é benéfico para os países lusófonos, principalmmente para Portugal.
Do outro lado, existe a tendência para qualificar este acordo com o "abrasileiramento" do poruguês de Portugal.
Ora bem, discordo de ambas as posições.
De início fui pouco receptivo a este acordo mas fui-me informando e fiquei mais eclarecido.
Quanto à primeira posição, não me parece que Portugal beneficie muito disto, nem Portugal nem os países mais pequenos.
A existir alguém a beneficiar são os grandes, aliás, o maior dos países da CPLP. O Brasil.
Se assim não fosse, duvido que tivesse aderido, fazendo valer a sua posição de potência emergente ou já consolidada da América do Sul.
Contudo, e já comentando a segunda posição, não me parece existir o tal "abrasileiramento". Como se costuma dizer "Nem tanto ao mar nem tanto à terra". Não se vai começar a falar o português novelistico do Brasil (sem qualquer tipo de xenofobia, sentimento que repudio).
Seria algo descabido os portugueses começarem a tratar-se por "cara" ou chamar "cafageste" em tom de desagrado.
Aliás, convém lembrar que o acordo é ortográfico, não se aplica à lingua falada.
Apesar de tudo isto, não me parece existir necessidade de um acordo neste sentido. Não é por "óptimo" passar a ser "ótimo" (por exemplo) que os portugueses vão passar a estabelecer laços de comunicação ou negócios com maior itensidade com os restantes países da CPLP.
Devo ainda referir o exemplo do inglês. Existe dentro desta língua, uma multiplicidade de formas de ortografia. Destaco o British English e o American English. Não houve necessidade de um acordo ortográfico no inglês assim como me parece não existir no caso do português.

Jorge Wahnon disse...

Senhoras e Senhores, antes de mais, tenho devo dizer que é com muito agrado que verifico que este tema gera polémica e que participo no debate gerado pelo post. Posto isto, passarei a responder concretamente às observações, críticas e posições aqui assumidas pelos comentadores.
Começo desde já por esclarecer alguns dizendo que estas reformas da língua ocorrem regularmente, quer no caso da língua portuguesa, quer noutras. Não se procura despir a(s) língua(s) "de toda a sua beleza", ao contrário do que diz o senhor Apu. Tal como não foi o caso para as anteriores reformas (sim a língua portuguesa já foi anteriormente reformada! Aproveito desde já para dizer ao senhor mouro que está enganado e que compete ao Estados fazê-lo, pelo menos foi o caso da língua portuguesa ao logo do século XX). Procura-se sim, adaptar a língua falada à escrita e vice versa. E, digo eu, já que é necessário fazê-lo porque não em conjunto com os outros países da CPLP de forma a dar um maior garante de contínuidade da língua e de assim as suas "variantes" serem aceites por todos?
Aproveito já agora para dizer ao Senhor Doutor que no caso do British english e do american english há acordos, quanto mais não seja, tácitos (embora esteja convencido que expresso também, mas por falta de paciência não vou investigar), porque a ortografia de uns é aceite pelos outros.
Quanto ao Brasil. Se tem ou não a ganhar com o acordo. Não ponho em causa, nem duvido, que tem. Mas como o disse, e bem, o Senhor Doutor: o Brasil já tem consolidada a sua posição de potência emergente na América latina, e no mundo (acrescento eu). De tal forma que me parece que , para um país como Portugal, ou se coopera com a potência, tirando daí os devidos benefícios. Ou se afasta tal ideia, não ganhando absolutamente nada com isso. Por falar nisso, tenho que dizer: já chega! Já chega de discursos de potência colonizadora, como a do senhor Tarek Shalik! Primeiramente porque já não fazem sentido nos dias que correm. Segundo, ainda menos sentido fazem vindos de um país como Portugal que hoje em dia a única coisa que tem a seu favor é o facto de pertencer a UE.
Em relação à questão do suposto "abrasileiramento" da língua creio que o Senhor Doutor ajudou a esclarecer o pouco que havia a esclarecer.
Numa última nota diria apenas que se se tratasse de uma questão de perda de identidade cultural ainda se falaria, e escreveria, o português das famosas cantigas de amigo, amor, escárnio e mal-dizer dos séculos XII e XIII. O que tornaria impossível a existência de um Gil Vicente, de um Luís Vaz de Camões ou mesmo de um Fernando Pessoa, tal como os conhecemos. Pelo que digo felizmente a cultura cria-se, adapta-se e modifica-se!
Tenho dito!
Obrigado pelos comentários. Aqueles que pensam ter algo a acrescentar. Por favor façam-no que garanto responder logo que me seja possível.
Enfim, por hoje é tudo.
Cumprimentos do caraças!

Anónimo disse...

"Aproveito desde já para dizer ao senhor mouro que está enganado e que compete ao Estados fazê-lo, pelo menos foi o caso da língua portuguesa ao logo do século XX)"

Ainda que a língua portuguesa tenha sido reformada pelo Estado no século XX não quer dizer que o devesse ter sido nem que o deva ser agora.

"E, digo eu, já que é necessário fazê-lo porque não em conjunto com os outros países da CPLP..."

Mas é mesmo necessário? Porquê? A malta deixou de se entender? Já ninguém se percebe e há necessidade de intervenção estatal?

Permita-me explicar o meu ponto de vista: pense em manuais escolares, ou dicionários. Reconhecemos-lhes autoridade nas respectivas áreas porque são elaborados por painéis de especialistas. Esta autoridade socialmente reconhecida é o que nos permite consultar tais obras e confiar no que lá está escrito. Pense noutras áreas das ciências, sociais ou exactas, cujas convenções são acordadas entre os especialistas de cada área (como a que, de astrónomos, despromoveu Plutão à categoria de planeta anão). E agora pega na língua e acha que tem de ser o Estado a impor convenções? A autoridade do Estado não deriva da sua especialização em língua portuguesa, porque raio hei-de dar ouvidos a seja lá o que for que de lá saia sobre o assunto? Deixem a língua em paz, porra. Nós cá nos entenderemos (fiquei sem espaço, paciência, fica pá próxima!)

Tarek Shalik disse...

Discurso de potência colonizadora? Não, tenho perfeita noção da diferença entre Portugal, um simples membro da UE, e o Brasil que será dentro em breve uma das principais potências mundiais, mas isso não me impede de tentar defender os interesses nacionais evitando a subjugação linguistica que se avizinha.

Anónimo disse...

Em 1500, Pedro Álvares Cabral iniciou a colonização do Brasil, onde o desenvolvimento só então se iniciou. Com a assinatura do acordo ortográfico deu-se um passo definitivo para o início da colonização de Portugal pelos brasileiros, que no que respeita a preguiça, conduzir sem carta de condução e sem seguro, beber caipirinhas e dançar o samba estão sem dúvida anos luz à nossa frente.
Será que é este o rumo que pretendemos tomar?